sexta-feira, outubro 06, 2017

Crônica da semana

Literatura e Paisagismo
Revitalizando a Quebrada, Revitalizando vidas
Escritor Sacolinha
25/09/2017


Tenho um lado empreendedor. Gosto de me concentrar em meus projetos com disciplina e respeito pelo que faço.
Em maio de 2017 resolvi colocar em prática uma ideia que estava em minha gaveta de projetos. Os motivos foram vários, entre eles a necessidade de inovar.
Em 2002 fundei a Associação Cultural Literatura no Brasil, pioneira na criação de novas mídias para o incentivo à leitura. Neste sentido inserimos poesias em imãs de geladeira, canetas, cartões postais e camisas. Até CD’s e vídeos de poesia nós fizemos. Então resolvi investir em algo mais ousado.
O Literatura e Paisagismo envolve a pintura de muros abandonados, com cores, grafites de poesia ou trechos de livros, além da limpeza do espaço ao redor e do plantio de uma ou mais árvores. A proposta inicial era a divulgação dos meus textos literários, a revitalização dos espaços da periferia e o incentivo à leitura. Mas quando eu coloco um projeto em prática, confesso que não tenho ideia de onde vai chegar E é isso o que está acontecendo. Todo o dinheiro para a realização deste projeto vem do meu bolso. Preciso de tinta para fazer o fundo, latas de sprays e às vezes pago alguém para me ajudar na pintura. E tem o pagamento do artista urbano (grafiteiro), pois não peço nada de graça aos artistas. Gosto que valorizem o meu trabalho, então valorizo o dos outros.
Vez ou outra algum amigo doa uma lata de tinta ou dinheiro para ajudar, mas a maior parte dos custos saem do meu bolso. E não é pouco! Dependendo do tamanho do espaço a ser revitalizado o valor total fica em R$ 700,00. E faço no mínimo duas intervenções por mês. Ou seja, tenho um total de gastos de mais de hum mil reais mensal com este projeto. O dinheiro sai das vendas dos meus livros e das minhas palestras, onde eu tiro metade para pagar as contas de casa e a outra metade para o Literatura e Paisagismo.

E porque faço isso?
Primeiro porque, como disse no início desta crônica, sou um empreendedor. E segundo porque eu acredito no que faço. Gosto de colher, mas pra não ficar ansiando a colheita, me ocupo em plantar.
Na maioria das intervenções sempre tem alguém desconfiado: “Você vai sair candidato?” ou então “O que você vai ganhar com isso?”.
Não culpo as pessoas por pensarem sempre no ganho, até porque fomos educados assim. Então respondo que financeiramente não estou ganhando nada. Inclusive abro um parêntese aqui para informar que até hoje, desde que eu iniciei o projeto, 4 meses e meio, só vendi um livro como resultado direto dessas ações. Fechando o parentese e continuando. Aí o morador, curioso e indignado insiste na pergunta: “Como assim, não vai ganhar nada?” E eu digo que ganho quando vejo alguém lendo o que eu escrevi; que ganho quando a vizinha vê como o local ficou bonito e aproveita pra limpar a frente da sua casa também, e com isso o nosso bairro fica melhor e minhas filhas crescem tendo orgulho do lugar onde moram.

Não consigo deixar o morador feliz com a resposta. Aí digo que ganho também quando as pessoas, estimuladas pelo o que leem nos muros, vão até a minha página na internet e compram um livro meu. Só aí é que ele vai embora satisfeito. Mas eu ainda não tinha noção do que seria um verdadeiro ganho, até o dia em que eu estava revitalizando um ponto de ônibus bem perto da minha casa. Pra recuperar aquele espaço público precisei fazer muitas coisas, desde solicitar autorização da prefeitura até pedir água de uma casa para lavar as paredes do ponto de ônibus. No fim do dia da intervenção, quando o grafiteiro já havia ido embora eu capinava sozinho o mato atrás do ponto de ônibus, brigando com pernilongos e escorpiões. Eu estava me perguntando se precisava de tudo aquilo, de todo aquele capricho, se dali há alguns dias estaria tudo sujo novamente. Aquele tempo em que me dedicava ali eu poderia estar com a minha família. Será que valia à pena?

Aí apareceu um senhor negro de cabelos brancos que havia passado por ali de manhã, quando eu iniciava a pintura. E em seu retorno na parte da tarde parou e ficou observando. Passei o braço na testa pra limpar o suor e fiquei prestando atenção na reação dele. Neste instante ele olhou pra mim levantou o dedo polegar direito e disse com uma sinceridade que eu jamais presenciei:
- Ó, parabens viu? Você está de parabéns! Ficou muito bonito e de bom gosto.
Eu sorri e disse obrigado. Quando ele virou as costas, fiz um giro com o olhar naquela periferia, naquele meu bairro. Perguntei-me outra vez: Vale à pena Sacolinha?
E repeti novamente o elogio daquele morador negro de cabelos brancos:
- Ó, parabens viu? Você está de parabéns! Ficou muito bonito e de bom gosto.

Meus olhos marejaram. Nunca recebi pagamento melhor.